domingo, 18 de outubro de 2009

The True


Foto: Eu e Ju - amor de verdade

Fui buscar uma tacinha de Amarula na geladeira porque sobre um tema desses não dá pra falar assim, cheia de realidade. Já tinha tomado uns chopes no Neno, e achei que era necessário abrir um tantinho mais a consciência pra discorrer sobre o tema proposto por Paulinho, que hoje mora a milhas e milhas de nós, lá em Santiago do Chile. Dia desses, ele estava brabo, danado com seus amigos chilenos, pés no chão além da conta, segundo consta. “Sinto falta dos meus amigos daí”, disse, “e queria que tu falasse sobre verdade, essa coisa tão complicada”. Acho que foi mais ou menos assim que foi feito o pedido, talvez com ligeiras variações no texto. Ele lembrou de Foucault e de seus estudos sobre a Verdade, que o deixaram “bem doido”.

Bom, vamos lá. Sou jornalista, e na minha profissão a gente lida o tempo todo com esse conceito. A princípio, deveríamos tratar apenas com fatos ditos “verdadeiros”. Sempre digo a meus alunos que verdade, pra nós, é a adequação do enunciado aos fatos. Tudo além disso é filosofia ou interpretação subjetiva, e não cabe no jornalismo. Será? Na prática, sabemos que o próprio conceito de notícia está entremeado por decisões de caráter pouco objetivo, relacionadas mais ao que o escriba/repórter/editor carrega consigo enquanto sujeito, ou enquanto parte de um sistema maior que ele, que aos fatos propriamente ditos. Isso faz o meu chefe subir pelas paredes, mas, no fundo, aposto que ele sabe que a engrenagem engloba a todos nós, não apenas aos jornalistas e agregados.

Contraditoriamente, a verdade das coisas, para as pessoas, está muitíssimo ligada aos desejos. Nosso olhar é dirigido e embaçado, por nós mesmos, no mais das vezes. O que não significa que ele é menos verdadeiro que o do Outro, afinal. Apenas diferente, particular. Complicou? É complicado mesmo. Mentir é dizer o contrário da verdade, mas não raro fazemos e dizemos coisas consideradas, a princípio, excludentes (se uma é verdadeira, a outra é falsa, e vice-versa), sem que necessariamente estejamos sendo não-verdadeiros. É verdade que às vezes quero que minhas filhas esqueçam que eu existo e parem de repetir “mamãe” ad infinitum. É verdade que não posso passar muito tempo, nem alguns minutos, sem saber onde elas estão e o que estão fazendo.

Tudo seria mais simples se não estivéssemos tão socialmente engessados. A mente e o coração permitem mais variações e combinações que querem nos fazer crer. Segundo Foucault, para nós, sujeitos, a verdade seria um mecanismo do qual dispomos para preencher o vazio que constitui nosso pensamento finito, ou a justificação racional que elaboramos para compreender nossas práticas cotidianas, ou ainda o escudo protetor que adquirimos diante das vicissitudes que nos ameaçam. Muito mais complexo, então, que apenas não mentir.

Falar tudo que vem à mente, sem censura, poderia, então, transformar alguém em “sincero”, pois não? Duvido. Rompantes de raiva podem nos fazer dizer coisas que não sentimos (sempre), só para ferir e magoar o outro. Você diz “te odeio”, e naquele momento essa é a mais pura expressão da verdade. Horas depois, o mesmo ódio vira só mágoa e saudade. De onde deduzimos que é impossível expressar a verdade apenas com as palavras, por mais que elas sejam muitas, por mais largo que seja nosso vocabulário. No mais das vezes, sem querer ser determinista, creio que a verdade é absolutamente silenciosa.

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