Escrevi esse texto por ocasião das comemorações em torno de Machado de Assis, em setembro de 2008, para a Revista Continente. Achei que valia a pena publicá-lo de novo.
As recentes comemorações em torno da efeméride machadiana suscitaram, entre os que analisaram sua obra, poucas unanimidades. Uma delas, porém, dizia respeito às possibilidades de interpretação que o autor permite em seus textos, tão variadas que até hoje são elas os principais objetos de investigação entre acadêmicos, teóricos e críticos. As dúvidas, neste caso, estão relacionadas muito mais ao que se cala do que ao que se diz. Os não-ditos impulsionam a ação ou a paralisia das personagens, e ultrapassam a obra inoculando no leitor a mesma vontade de saber, que não se concretiza. A ignorância, porém, em muitos momentos revela-se menos desagradável que a certeza, e ficamos felizes assim, apostando que a história vai seguir pelo caminho que nos parece correto ou lógico.
Alguém poderia dizer que o contexto da época por onde transitavam as personagens de Machado necessariamente evocava situações que tais. Será? Se é verdade que hoje o comportamento social aceito (estimulado?) traduz-se em infinitas possibilidades de dizer, ancoradas por uma necessidade esquisita de exposição que não se limita à intimidade dos envolvidos, é também verdade que as relações humanas, ainda assim, são entremeadas por silêncios. Comunicar-se segue sendo um exercício de inferências e deduções, e, como tais, às vezes acertadas, outras completamente equivocadas.
Trazendo a questão para a contemporaneidade, lembrei do filme "Uma relação pornográfica", onde o casal protagonista, absolutamente (pós) moderno em sua resolução de se relacionar apenas sexualmente, é vítima do silêncio acordado de antemão. Os não-ditos do filme remetem, em um certo sentido, ao conto "Missa do Galo", ambas as obras sublinhadas pela imobilidade resultante da comunicação insuficiente. Todo o diálogo que ocorre, nos dois casos, é mudo - uma conversa cujas respostas são apenas imaginadas. O desfecho, frustrante para nós, leitores e expectadores, também é provocador: a vontade que dá é de sair destilando revelações e verdades por aí, esquecendo a proteção que as máscaras nos dão.
No filme, a relação, antes apenas física, passa a ser de amor. O desejo se concretiza, mas o amor não, fadado que está à interpretação unilateral dos envolvidos. Na prática, nenhum dos dois tem coragem de dar o primeiro passo e assumir que ama, preocupados demais em não deixar transparecer a vulnerabilidade que o sentimento provoca. Se somos também o que os outros pensam de nós, o casal, que se supunha não-amado, torna-se não-amado de fato. O que não se diz ou não se faz, não existe, afinal. O mesmo silêncio que envolve a dupla machadiana destrói a possibilidade neste caso. Estarão eles evitando, assim, um sofrimento maior no futuro? Talvez, mas não conseguimos evitar, personagens, leitores e expectadores, a sensação angustiante de vida vivida pela metade. Cabe a cada um descobrir em qual dos dois mundos prefere transitar.