terça-feira, 26 de outubro de 2010

O cânone carnavalesco

Meu aniversário está próximo. Faço 35 (e depois deste evento, please, ninguém mais me pergunte a idade. Decorem, se acharem necessário) no dia 24 de novembro, e esta data pra mim é uma espécie de marco zero das prévias carnavalescas. Funciona assim: pós aniversário = pré carnaval. Já sinto o clima gostosinho das orquestras esquentando no ar...

Por isso mesmo, hoje vim trabalhar ouvindo no carro um CD carnavalesco muito lindo que tenho. São frevos cantados por diversos artistas da MPB, aqueles que a gente já conhece, mas que não podem faltar de jeito nenhum em qualquer festa de carnaval que se preze. Vim pensando naquelas pessoas que reclamam - "todo ano as orquestras tocam os mesmos frevos!" So what?

Até acho justa a reclamação, quando ela diz respeito àquelas orquestras meia boca, que só sabem 4 ou 5 músicas. Porém, o fato é que a gente adora cantar junto na hora da folia, e não faz nenhum sentido deixar de fora as canções que, só de ouvir, arrepiam quem gosta mesmo da festa. Temos um cânone, e ele é necessário e muito rico. Novidade é uma beleza, mas só novidade não faz um carnaval.

Bom mesmo é ouvir e cantar "de chapéu de sol aberto pelas ruas, eu vou", "voltei, Recife", "Recife mandou me chamar", "você, colombina, e eu, pierrot", entre tantas outras... A literatura tem obras consideradas fundamentais, não tem? O carnaval, principalmente o melhor de todos (o nosso, claro), também possui sua lista indispensável. Começou a contagem regressiva!

domingo, 17 de outubro de 2010

O espetáculo

E eis que dançamos, todas juntas, no dia da Hispanidade. Doze mulheres que se revezaram para bailar flamenco, no Recife, a milhas e milhas da Espanha. Podíamos dançar frevo. Mas gostamos mesmo é de baile, de cante, de saia comprida, de batom vermelho e flor no cabelo. Seu Tomás, o cantaor, dizia: "Sevilla tiene que ser/testigo de nuestro amor". Recife tinha que ser testemunha do nosso amor. Depois de muita ralação, posso dizer sem medo que deu tudo certo, apesar das falhas que só quem dança sabe que cometeu (thanks God, o público não saca esses detalhes). No próximo domindo, dia 24 - tem mais! Dessa vez, dançaremos em três, apenas, no palcão do Teatro Guararapes. Outra dimensão, outra vibração, lá vamos nós traveis!

* Depois posto fotos e/ou vídeo.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Meu sobrinho (a) !

Uêba!!!! Acabo de saber que mi hermanito e minha cunhadita - finalmente! - estão grávidos. Parabéns pra eles e pra mim, que finalmente (de novo) serei titia. Eu, que não fiquei pra titia - graças a Deus. Mais uma criança na família, a tempo de evitar que eu cometesse a sandice de querer ter mais um bebê de minha própria lavra, de tanta saudade que estou de bebezinho pequeno e cheirosinho. Delícia! Parabéns de novo, meninos!

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Espanha, de Clarice Lispector

“Quase não era canto, no sentido em que este é aproveitamento musical da voz. Quase não era voz, no sentido em que esta tende a dizer palavras. O canto flamenco é antes da voz ainda, é fôlego humano. Uma palavra ou outra às vezes escapava, revelando de que era feita aquela mudez cantada: de história de viver, amar e morrer. Essas três palavras não ditas eram interrompidas por lamentos e modulações. Modulações de fôlego, primeiro estágio de voz que capta o sofrimento no seu primeiro estágio de gemido. E de grito. E mais outro grito, este de alegria por se ter gritado. Em torno, a assistência aconchega-se escura e suja. Depois de uma das modulações que de tão prolongada morre em suspiro, o grupo esgotado como o cantor murmura um Olé em amém, última brasa.
Mas há também o canto impaciente que a voz apenas não exprime: então um sapateado nervoso e firme o entrecorta, o Olé que o irrompe a cada instante não é mais amém, é incitamento, é touro negro. O cantor, de dentes quase cerrados, dá à voz a cegueira da raça, mas os outros exigem mais e mais, até conseguirem o instante espasmo: Espanha.

Ouvi também o canto ausente. É feito de um silêncio cortado de gritos da assistência. Dentro da clareira de silêncio, em semente ardente, um homem pequeno, seco, escuro, de mãos nas ilhargas, cabeça atirada para trás, marca com o duro taco dos sapatos o ritmo incessante do canto ausente. Nenhuma música. E nem é uma dança. O sapateado é antes da dança organizada – é o corpo manifestando-se, pés transmitindo até a ira em linguagem que Espanha entende. A assistência se concentra em fúria no próprio silêncio. De quando em quando a provocação rouca de uma cigana, toda de carvão e trapos vermelhos, em que a fome se tornou dor e ameaça. Não era espetáculo, não se assistia: quem ouvia era tão essencial como quem batia os pés em silêncio. Até a exaustão, comunicam-se durante horas através dessa linguagem que, se algum dia teve palavras, estas foram se perdendo pelos séculos – até que a tradição oral passou a ser transmitida de pai para filho apenas como ímpeto de sangue.

E vi o par da dança flamenca. Não sei de outra em que a rivalidade entre homem e mulher se pusesse tão a nu. Tão declarada é a guerra que não importam os ardis: por momentos a mulher se torna quase masculina, e o homem a olha admirado. Se o mouro em terra espanhola é o mouro, a moura perdeu diante da aspereza basca a moleza fácil; a moura espanhola é um galo até que o amor a transforme em Maja.

A conquista difícil nessa dança. Enquanto o dançarino fala com os pés teimosos, a dançarina percorrerá a aura do próprio corpo com as mãos em ventarola: assim ela se imanta, assim ela se prepara para tornar-se tocável e intocável. Mas, quando menos se espera, sua botina de mulher avançara e marcará de súbito três pancadas. O dançarino se arrepia diante dessa crua palavra, recua, imobiliza-se. Há um silêncio de dança. Aos poucos o homem ergue de novo os braços e, precavido – com temor e não pudor -, tenta com as mãos espalmadas sombrear a cabeça orgulhosa da companheira. Rodeia-a várias vezes e por momentos já se expões quase de costas para ela, arriscando-se quem sabe a que punhalada. E se não foi apunhalado é que a dançarina de súbito recolheu-lhe a coragem: este então é o seu homem. Ela bate os pés, de cabeça erguida, em primeiro grito de amor: finalmente encontrou seu companheiro e inimigo. Os dois recuam eriçados. Reconheceram-se. Eles se amam.

A dança propriamente dita se inicia. O homem é moreno, miúdo; obstinado. Ela é severa e perigosa. Seus cabelos foram esticados, essa vaidade da dureza. É tão essencial essa dança que mal se compreende que a vida continue depois dela: este homem e esta mulher morrerão. Outras danças são a nostalgia dessa coragem. Esta dança é a coragem. Outras danças são alegres. A alegria desta é séria. Ou a alegria é dispensada. É o triunfo mortal de viver o que importa. Os dois não riem, não se perdoam. Compreendem-se? Nunca pensaram em se compreender, cada um trouxe a si mesmo como único estandarte. E quem foi vencido – nessa dança os dois são vencidos – não se adoçará na submissão, terá aqueles olhos espanhóis, secos de amor e raiva. O esmagado – os dois serão esmagados – servirá vinho ao outro como um escravo. Embora nesse vinho, quando vier a paixão do ciúme, possa estar o veneno da morte. O que sobreviver se sentirá vingado. Mas para sempre sozinho. Porque só esta mulher era sua inimiga, só este homem era seu inimigo, e eles se tinham escolhido para a dança."

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Qual das quatro?

Comprei a coleção completa de Sex and the City. Todos os episódios das seis temporadas - são sei lá quantos DVDs. Agora, quando estou tensa, por qualquer coisa (meu atual motivo de tensão são dois: a casa que pretendo comprar e o espetáculo em que vou dançar), Carrie, Samantha, Charlote e Miranda me ajudam a relaxar. As moças, que na época da série tinham a idade que farei em breve (35, por aí - umas mais, outras menos...), são umas fofas, e seus relacionamentos, uma confusão típica e recorrente. Não à toa, minhas amigas solteiras (ou não) que têm idade semelhante vivem histórias muito parecidas com as delas. E olha que elas não moram em Nova Iorque. Eita, globalização...

Divirto-me sobremaneira - o texto é primoroso. Dia desses, meu marido, que também gosta do seriado (menos que eu, claro, mas gosta), estava tentando fazer uma conexão entre a minha personalidade e a de uma das personagens. É um pouco difícil, já que sou casada há 11 anos e algumas das situações não vivi, mas tentamos. Chegamos à conclusão que estou mais pra Carrie, por causa da profissão, do gosto por moda e do humor (às vezes bom, às vezes ácido). Mesmo assim, não gosto tanto de DR como ela. Bom, de Samantha, a ninfomaníaca, tenho, por assim dizer, a naturalidade (foi marido que disse). De Charlote, "herdei" o lado maternal e de Miranda, nada (ou quase).

Chegamos à conclusão que as mulheres, todas, somos um pouco de cada uma. O melhor é ver que a série não resvalou naquele estereótipo "mulheres competem com mulheres o tempo todo" e que, no fim das contas, mais que sobre relacionamentos amorosos, fala sobre amizade. Recomendo.

domingo, 10 de outubro de 2010

Política é política, minha gente

22h14. Dilma e Serra partem para o ataque e eu admito - ando meio sem paciência pra essa conversa sem fim, além do mais se vem acompanhada dessas tendências fundamentalistas surreais. Era só o que faltava a gente ter que pautar o voto pelas crenças religiosas dos candidatos. Terra onde pastor e CNBB mandam e definem diretrizes de políticas públicas... Tenha medo, como bem dizem os baianos. Cada um com suas convicções, nada contra nenhuma, mas o risco é grande quando fé (o nome já diz - oposto da razão, algo em que a gente crê sem nenhuma comprovação científica) começa a valer como critério para a estruturação de um projeto de governo. Somos laicos ou não, afinal?

Meu espírito (muito) crítico não me permite participar de igrejas, mas acho que a fé pode ser importante para a estruturação de uma sociedade saudável. Pode ser, mas muitas vezes não é. Tudo depende do grau de tolerância que está impresso no processo. O melhor é que política e religião ocupem os espaços que lhes cabem, e, em minha opinião, as igrejas devem orientar suas fiéis a não abortar, se assim o desejarem. Mas não devem se meter na opção por uma política pública de não criminalização das mulheres, que abortarão de qualquer jeito, sempre que acharem que não têm outra saída. As que tiverem grana, sairão fisicamente ilesas; as que não tem, serão penalizadas pelo abandono e hipocrisia do Estado, que até hoje não teve a decência de encarar o problema com coragem.

É por isso que, embora não ache que ela é perfeita, ando cada vez mais do lado de Dilma. Esse palhaço desse Serra acha o mesmo que eu, que qualquer pessoa inteligente (sobre o aborto). Mas faz de conta e dá uma de indignado. Não gosto desse tipo de gente acostumada a minar o moral dos outros comendo pelas beiradas, fazendo guerrinha de bastidores, espalhando boatos que se estabelecem a partir da ignorância e do fanatismo das pessoas. Até email dizendo que Dilma fazia parte de uma seita diabólica já recebi - e o pior é que essas porcarias têm audiência. Haja.

Pausa para um refresco - hoje, estava olhando classificados no jornal, e vi o seguinte anúncio de uma daquelas moças de vida difícil que divulgam seus serviços por ali: Analú - R$ 300,00. Só lamento - tem mulher perfeita quem pode! Pense numa bichinha marqueteira! Aprendam, candidatos.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Censura?

Li há pouco tempo um artigo no Caderno C do Jornal do Commercio, que discute o tema da Bienal de São Paulo deste ano: política e arte. O autor toca numa questão maior, que é o fato de "política", neste caso, estar sendo interpretada de forma simplória - ao que lhe parece, e concordo com ele, ninguém parou pra discutir ainda a política cultural de fato - críticos e críticas, marchands, valoração, bolsas, incentivos... Ficou tudo concentrado na representação político-eleitoral, que não esgota o assunto, apenas o tangencia.

O fato é que o tema da Bienal terminou resvalando noutra questão séria, que tem a ver com limites e refletiu-se na repercussão da série de autoretratos de Gil Vicente. Os desenhos do artista assassinando líderes nacionais e internacionais já deram muito que falar, e por isso mesmo levantaram a lebre da censura mais uma vez.

Gosto muito dos quadros. Acho que são esteticamente muito interessantes, e provocadores, coisa rara numa época em que está cada vez mais difícil surpreender-se ou chocar-se com o que quer que seja. Não acho que a justiça ou a OAB tenhaque se meter com o que faz Gil Vicente, que está, afinal de contas, através de uma representação literal, metaforizando uma série de outros conceitos e questões. O problema é que muita gente não consegue enxergar além do óbvio, infelizmente.

A metáfora, afinal, é pra poucos.